segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Pearl Jam: Parting Ways


Quantos fãs por aí conhecem Parting Ways? 

Ela fecha timidamente o Binaural, disco lançado pelo Pearl Jam em 2000 e, na minha humilde opinião, resume toda a atmosfera da banda naquela época: sombria e melancólica. Parting Ways, caminhos partidos; uma música sobre separação, medo e conformismo.
A entrada dela já rouba qualquer expectativa de algo mais silencioso, comum nas composições que fecham os álbuns da banda. A música já começa com o acorde Mi, que vai se repetindo seguidamente durante toda a melodia, e é intercalado por uma sequência de notas que transmitem uma melancolia na sua mais pura forma. Todo o clima dela é pesado e triste, e o Eddie não deixa muito espaço com a sua escolha de palavras. O violino e o violoncelo são partes fundamentais na melodia, deixando-a ainda mais bela e lírica; fico sem palavras para explicar o quanto os dois influenciam a música (por isso que amo a versão de estúdio). A bateria parece refletir com as suas batida espaçadas toda a dor dessa separação, desses caminhos que se partiram. A voz do Eddie é vulnerável e tenta contar a história dessas duas pessoas sem tomar partidos; ele parece estar olhando de longe a cena. O interessante é que ele estava se separando da sua esposa nessa época, por isso acho incrível o fato dele tomar uma distância da situação sem deixar a canção ficar piegas. A letra dessa música é perfeita! Poucos versos, simples, diretos e de certo modo frios.

Behind her eyes there's curtains,
and they've been closed to hide the flames,... remains...

Por trás do olhos dela existem cortinas,
e elas estão fechadas para esconder as chamas,... restos...

Aqui temos a negação, o momento do relacionamento em que tudo está acabado mas a pessoa faz tudo para esconder a dor, a tristeza de uma possível separação que possa vir a ocorrer e trazer com ela sofrimento. O casal parece saber o quanto de "chamas" o relacionamento deles esconde, e as cortinas dos olhos dela são a prova dessa negação.

She knows... their future's burning, 
but she can smile just the same, same...

Ela sabe... O futuro deles está queimando,
mas ela consegue sorrir, sempre o mesmo, mesmo...

A metáfora do fogo continua aqui (como recuperar algo que foi queimado, impossível, certo?), e agora as chamas invadem o futuro deles, ou seja, tudo que poderia acontecer está queimando, não há mais alternativa. Ao jogar o futuro no fogo, resta o presente (o novo futuro) que já está em chamas. E ao mesmo tempo que tudo isso acontece, ela consegue sorrir; estaria ela infeliz? Satisfeita? Ou apenas uma ironia do compositor? Talvez toda essa dúvida pairasse na cabeça do Eddie quando ele viu que o relacionamento dele estava acabando: ela ainda consegue sorrir, mesmo com tudo isso acontecendo; mas sorri porque?

And though her mood is fine today,
there's a fear they'll soon be parting ways...

E embora o humor dela esteja bom hoje,
há um medo de que eles em breve sejam caminhos partidos...

O compositor continua colocando ela como alguém tranquila mesmo com tudo desfalecendo à sua volta. As cortinas dos olhos dela parecem continuar fechadas, ela continua negando, ou simplesmente não se interessando mais por ele (talvez as duas coisas). Mas há o medo; medo de que eles se separem mesmo com o amor queimando aos poucos. Ou seja, ela parece calma, achando que as coisas estão bem, mas no fundo sente que está tudo desmoronando. Os "caminhos partidos" são uma metáfora perfeita; ele (Eddie) poderia usar "separados", "distantes", "seguindo rumos diferentes", mas não... O Eddie do Binaural é extremamente lírico, tudo é pensado para soar mais poético.

Standing, like a statue,
a chin of stone, a heart of clay...

Parado, como uma estátua,
um queixo de pedra, coração de lama...

Agora a situação é voltada para o "ele" do relacionamento, e o Eddie é direto aqui: ele é uma estátua, estático, sem ação, talvez alguém que não toma a dianteira no relacionamento e apenas assiste parado: queixo de pedra e coração de lama. O seu físico é forte, ele mostra para os outros ser alguém firme e decidido, mas por dentro ele é fraco, tem o coração de lama, facilmente derrotado, derretido por qualquer atitude dela e do mundo à sua volta.

And though he's too big a man to say...
There's a fear they'll soon be parting ways

E embora ele seja muito grande para dizer,
há um medo de que eles em breve sejam caminhos partidos...

Aqui há uma repetição do "Embora..": antes é sobre ela ("E embora o humor dela esteja bom hoje"), e agora é sobre ele ("E embora ele seja muito grande para dizer"); mesmo ele sendo alguém grande, com grandes valores, há um medo de eles seguirem caminhos partidos. Em seguida, com a repetição do verso "There's a fear they'll soon be parting ways", tanto para ela, quanto para ele, o compositor mostra que os dois sabem que estão se separando; que, aos poucos, o futuro deles queima, sem a possibilidade de volta. Considero essa comparação o alicerce principal da letra, o restante são detalhes sobre cada deles. E o mais incrível é que com poucas informações dadas pelo Eddie, nós podemos visualizar essas duas pessoas perfeitamente: uma mulher mais fria, indiferente ao relacionamento, e um homem de coração fraco que ainda parecia tentar algo para que a história dos dois não se partisse.
Logo no final dessa parte, após o último "parting ways..." a guitarra entra com toda a distorção em uma batida forte e única, (2:08 na versão de estúdio), e a bateria finalmente aparece com força, como que batendo em algo para machucar. Aqui acontece a separação de fato: é nesse momento que os dois seguem caminhos diferentes, caminhos partidos. Aqui a beleza dessa música chega em um clímax: as guitarras mudam a melodia, entoando trechos novos e mais melancólicos (2:25); agora eles seguem outro caminho, finalmente separados. E os versos finais não oferecem uma resposta, parece mais uma esperança vazia, eles apenas vagam por aí, sem rumo, sem respostas para o que acaba de acontecer:

Drifiting away,... Drifting away,... Drifting away...
Drifiting away,... Drifting away,... Drifting away...

Afastando-se,... afastando-se... afastando-se....
Afastando-se,... afastando-se... afastando-se...

(podemos entender esse "drifting away" como afastando-se, mas também vagando, perambulando.)

Agora eles caminham separados e se afastam a cada segundo que passa, sem a possibilidade de retorno, sem qualquer esperança de algo que possa dar certo; afinal, o futuro deles está queimando. À medida que o tempo avança, avança também o fogo, devastando qualquer chance de que algo posso melhorar daqui pra frente.
O violino reaparece aqui com mais força e dita o ritmo dessa separação. Finalmente, depois de todo o sofrimento, o acorde final, cheio de distorção, coloca um ponto final na música (3:25). Está acabada a história dos dois, resto o violino, que canta entristecido até desvanecer; e se vocês repararem bem, o violino não para de tocar, ele apenas é silenciado.

Espero que essa breve análise mostre o quanto "Parting Ways" é fantástica e o quanto ela pode dizer em tão poucos versos. Infelizmente ela é pouco conhecida no meio dos fãs, por isso fiz esse texto para mostrar toda a força contida nela. O que mais me deixa feliz de ser um fã dessa banda é que estamos por descobrir muito mais em cada álbum, música, versos, solos, etc.. Esses caras tem muito, mas muito a dizer...

*Com relação às batidas de uma máquina de escrever minutos após a Parting Ways acabar, não acho que tenha relação com a música. Li, se não me engano no Pearl Jam Twenty, que essa parte é um "desabafo" do Eddie por um bloqueio criativo que ele teve enquanto escrevia as letras pro Binaural. Essa sucessão de letras que ele bate na máquina (elas aparecem no livreto que contém as letras do álbum) parece ser um forma dele se auto criticar por essa falta de ideias (pelo jeito funcionou, as letras desse álbum são fantásticas!).

25 comentários:

  1. A imagem que inicia o post não poderia ter sido melhor escolhida. Uma perfeita introdução para a sua ótima análise. Acho muito boa essa sua iniciativa de interpretar as letras e ainda mostrar a relação da música com que está sendo contado. Isso é uma das coisas que diferencia este blog dos outros. Concordo inteiramente com que você disse no final do texto, mas será que eles sabem que ainda têm muito a dizer?

    PS: Só ficou faltando uma questão na análise: o significado daquelas batidinhas no final, se é que tem alguma, que lembra digitação em máquina elétrica de datilografia.

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  2. Complementando meu comentário anterior (pena que não posso simplesmente editá-lo), eu achava antes que era um violoncelo nesta música por causa do toma mais grave, mas após você citar o violino na sua análise, fui verificar e constatei que os dois estão presentes nela. O violoncelo é tocado Justine Foy e o violino, para minha surpresa, é tocado por April Cameron (esposa do Matt). Tem uma versão tocada desta música num show na Philadelfia/09 que eu acho demais. Segue o link de um vídeo numa qualidade muito boa: http://www.youtube.com/watch?v=QhQWf8H2jsE

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    1. Você tem razão Renato, tem violino sim, mas o que mais se destaca é o violoncelo... Vou arrumar o meu post! Obrigado pelos comentários! Abraço!

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    2. João, acho que não precisa mudar nada não. Está subentendido. Não fiz esta observação para você mexer no texto que foi muito bem escrito. São detalhes. Se alguém tiver dúvida, já está esclarecido neste nosso diálogo. Abraço.

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  3. First time I heard this song was Neil Finn & Friends (including Eddie) play it in 2001 in NZ, http://www.youtube.com/watch?v=O1QtiGFZGF8 and it was brilliant. Was the first time I had really heard anything Pearl Jam... and the rest is history!

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  4. João, lindo post, amei!! Essa música é linda, perfeita, e adorei os comentários e admirar sempre a genialidade e sensibilidade do Eddie!!
    Valeu!!!

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    1. Os fãs tem que conhecer mais essa música, por isso esse post! abraço!

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  5. João, eu simplesmente amo, amo, amo esta música e seu post esta perfeito, magnifico! Que sensibilidade impressionante.
    Adorei!!! Carla Izá

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  6. João, você me emocionou com sua análise dessa bela canção! Com certeza ela reflete momentos da vida pessoal do Eddie com a poesia, autenticidade e melancolia características dele. Você poderia muito bem publicar um livro com esse trabalho!
    Como você disse, é comum, eu diria praticamente uma regra, os álbuns fecharem com uma música mais silenciosa. Na minha opinião são todas chaves de ouro que infelizmente não estão entre as mais conhecidas e as mais executadas ao vivo. Por isso amo o Benaroya Hall, pois, por ser um show bem intimista, contém quatro destes "gran finales", contando a Immortality, pois a considero como sendo o fechamento do grande Vitalogy, sendo a última faixa uma experimentação (não desmerecendo, é óbvio) que acho que nunca foi feita ao vivo.
    Enfim, adoraria que o PJ fizesse mais desses shows "silenciosos", não que eu me interesse mais por essas composições, mas para os fãs terem mais oportunidades de presenciarem performances dessas canções que às vezes não "cabem" em grandes shows.
    E uma sugestão: uma enquete sobre qual o nosso fechamento ou abertura favoritos dentre os albuns!
    Abração.

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    1. Pois é Adriane, foi legal você lembrar o benaroya hall, foi nesse show que eles se entiram livras para tocar essas músicas justamente por ser um show acústico. No restante dos shows elas quase não aparecem! Espero que eles voltem a tocar mais elas: Parting Ways, All or None, Around the Bend, etc...
      Quem sabe um dia eu faço uma análise de todas as músicas e publico um livro... vai dar um baita trabalho mas iria ficar legal!

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    2. Adriane, legal seu comentário. Parting Ways, All or None, Around the Bend, e principalmente INSIDE JOB (pra mim uma das melhores músicas de rock desse século) são maravilhosas. All or none, por exemplo, é algo tão singelo, e ao mesmo tempo remete-nos aos Beatles em certos momentos....fantástico!
      Quando meu filho nasceu, ouvia muito Around the bend, e muitas vezes, com ele nos braços, chorava ouvindo esta canção....

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    4. Legal, obrigada! Essas últimas músicas sempre me pegam de jeito. Quando descobri All or None fiquei ouvindo-a por dias e dias, o tom de voz do Eddie nela penetra na alma e a guitarra do Mike no final entra fazendo um contraste pra acabar de arrebatar a gente, coisa de louco! E a Inside Job então, também é uma das minhas paixões - sua introdução me remete ao Floyd no álbum Animals - e quando a tocaram no show de São Paulo em 2011 o Eddie disse que o Mike a compôs aqui no Brasil, lembra? Eu estava lá e mal pude acreditar que estava presenciando aquilo ao vivo.
      Esses caras sabem mesmo penetrar lá no fundo, incrível, com certeza porque fazem o que fazem com paixão e sinceridade, desde o início até hoje.

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  7. Belo texto cara, muito bom mesmo! Alguma análise extra sobre as batidinhas no final que começa nos 6:50?... Parece aquelas máquinas de datilografia (e Eddie gosta delas)

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    1. Oi pedro! Acrescentei essa parte no texto do post! Obrigado por lembrar! Abraço!

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    2. Interessante que, por essas batidas serem em um ritmo que se repete (ele parece estar digitando a mesma palavra seguidamente), me parecem ser também o som de um trem, o que poderia remeter à imagem que o João escolheu. Na verdade achei que ele a tinha escolhido por causa disso, não sei se viagem muito, mas foi a impressão que tive.

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  8. Obrigado por acrescentar essa informação João, sensasional. E ainda tem gente que não gosta do Binaural, ele é um dos meus favoritos... Tenho uma pagina de Pearl Jam com 8.600 likes, a Pearl Jam Brasil, as vezes pego algumas informações daqui, e sempre dando os devidos créditos, vou postar esse texto lá na página. Sensacional seu blog, Abraços!

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    1. Fala pedro! Sinta-se livre em divulgar o texto! Parabéns pela página no facebook! Abração!

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  9. Ótima análise, parabéns! Parting Ways é uma música maravilhosa e o Binaural é um àlbum muito especial para mim :)

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  10. Binaural se bobear é o melhor album pra mim. Um rock de verdade, de protesto, sombrio, chega a arrepiar sempre que ouço. Essa música tem algo especial, que me deixa sempre com vontade de repeti-la todas as vezes que ouço.

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    1. Também compartilho desse vontade de ouvir o tempo todo, e também me arrepio toda vez que ouço... Obrigado pelo comentário!

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  11. parabéns! obrigado por compartilhar isto!

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  12. Nossa, João, que interpretação fantástica.
    Eu ouvia a música enquanto lia e fiquei arrepiada. Sensacional tanto a interpretação, quanto a música.
    Confesso que já gostava dela, mas nunca tinha parado pra analisar minuciosamente. Agora vou ouvir com muito mais atenção.
    Obrigada e parabéns! :))

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    1. Oi Nathalia! por isso fiz essa análise! Nós precisamos ouvir essa música (assim como muitas outras) conhecendo a letra e relacionando com a melodia. Tudo que o Pearl jam faz, em especial no Binaural, é pensado, e eles querem manter a beleza de cada composição e dizer o máximo possível através de uma música. Obrigado pelo comentário!

      Beijos!

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